Perdão em Filemom

Epístola a Filemom.

Filemom é uma carta que toca num assunto muito pertinente no desenvolvimento da vida cristã: o perdão. Perdoar ou, segundo o dicionário, remir alguém de alguma ofensa/dívida/pena é algo que faz parte na jornada daqueles que buscam ter o coração de Jesus. Embora muitas vezes esquecida em nossas bíblias, essa pequena porção das escrituras nos encoraja a enorme prática do perdão sem ao menos citar na palavra “perdão” em si.

 

Contexto histórico

Não existe muita contestação teológica relevante quanto ao contexto histórico da Epístola a Filemom. Tradicionalmente ela é aceita como uma carta escrita a próprio punho pelo apóstolo Paulo, enquanto estava preso, a Filemom, um cristão residente de Colossos. A carta foi enviada através de Tíquico, cooperador de Paulo, provavelmente junto com a Epístola aos Colossenses.

Filemom é a menor carta de Paulo com apenas 334 palavras no grego¹, sendo uma das quatro cartas destinadas a um indivíduo em específico (Tito, 1 e 2 Timóteo são as outras), mas diferente das demais ela também é direcionada a uma igreja local. Parece que Paulo queria muito que o assunto em específico tratado na carta e direcionado ao indivíduo Filemom chegasse também ao conhecimento da igreja que se reunia na casa dele.

A tradição histórica² por traz da carta conta a respeito de um escravo chamado Onésimo, que havia causado prejuízo ao seu senhor Filemom e fugiu, porém, se converteu com Paulo (Fm 9) ao cristianismo. Então, após a conversão de Onésimo, Paulo o envia de volta juntamente com Tíquico ao seu senhor em Colossos (Cl 4:7-9). Importante citar que havia cristãos de Colossos donos de escravos, e que, não seria incomum se a igreja colossense fosse composta também por senhores e seus respectivos escravos (Cl 3:22-4:1).

 

Desenvolvendo o conteúdo da carta

Nos três primeiros versículos de Filemom (Fm 1-3) Paulo introduz sua carta citando remetentes e destinatários, destacando nas palavras do próprio Paulo, o amado Filemom, nosso colaborador.

A carta segue com o apóstolo estimando ainda mais Filemom “lembrando-me, sempre, de ti nas minhas orações” (Fm 4), “tendo grande alegria e conforto no teu amor” (Fm 7) e no versículo 6 declarando uma oração apostólica pelo amado colaborador colossense:

 

“para que a comunhão da tua fé se torne eficiente no pleno conhecimento de todo bem que há em nós, para com Cristo.” – Filemom 6

 

Parafraseando no grego, Paulo intercedia e pedia a Deus para que a koinonia (comunhão, fraternidade, intimidade familiar) da pistis (fé genuína em Deus) se tornasse energes (ativa, eficiente, operante). Essa oração vai introduzir o pedido de Paulo em favor de Onésimo. Ele está dizendo que a verdadeira comunhão com os santos desprende uma atitude ativa e energética por nossa parte, motivada pela genuína fé no Deus vivo e no seu Filho.

Dito isso, Filemom 8-21 é conhecido como a intercessão em favor de Onésimo.³ Não apelando para qualquer autoridade apostólica (v. 8), mas baseada no amor (v. 9), Paulo declara a utilidade de Onésimo (v. 11; nome que significa “útil”) e o manda de volta a Filemom para ser recebido “não como escravo; antes, muito acima de escravo, como irmão caríssimo” (v. 16) indo ainda mais além em seu pedido: “Se, portanto, me consideras companheiro, recebe-o, como se fosse a mim mesmo” (v. 17).

Naquela época era de costume e permitido por Roma que se um escravo fugisse e fosse encontrado novamente pelo seu senhor, este poderia castigar e até mesmo tirar a vida do escravo fugitivo. Paulo então pede para que o senhor receba de volta o seu escravo que fugiu, mas agora como um irmão amado. Ele toca não apenas no sentimento, mas na prática do perdão: Receber em amor aquele que te causou prejuízo, te deve e te foi infiel, não exigindo nada dele.

 

Desenvolvendo o perdão

Jesus escolheu a sua igreja para que vivam como um só povo, com um só sentimento. Ele desejou que houvesse relacionamento fraterno por meio da fé entre o judeu e o gentio, entre o escravo e o senhor e na verdade entre todos do Corpo. Ele sabia que relacionamentos geram tensões e por isso ele nos deu o perdão, o perdão que procede de Deus.

Geralmente, pensando no poder da redenção, notamos apenas o perdão de Deus para com o homem. Mas a verdade é que na cruz foi liberado divino poder para perdoar o próximo. Não um perdão superficial, humano e meramente racional, mas um perdão de caráter redentivo, libertador, que expressa o coração e o amor ágape de Deus.

Quando perdoamos podemos pensar que estamos fazendo a outra pessoa livre quando na verdade nós é que estamos sendo livres da ofensa, da falta de comunhão e do orgulho. Jesus nos ensina a orar ao Pai: perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós temos perdoado aos nossos devedores (Mt 6:12).

O amor entre os irmãos revela o perdão de Deus. Sabendo disso, o apóstolo Pedro apela para o amor sincero entre os irmãos: porque o amor cobre (perdoa) multidão de pecados (1Pe 4:8).

 

70 x 7

Esse Pedro, anos mais cedo pergunta a Jesus sobre quantas vezes deveria perdoar o seu irmão (Mt 18:21-22): “Que tal sete vezes, Jesus? Sete é um bom número, expressa a perfeição de Deus.” Então Jesus vem com uma matemática maluca: “70 vezes 7”. O engraçado é que Jesus não estava limitando o poder do perdão a 490 vezes. Ele estava indo além, elevando o padrão a um estilo de perdoar além do que é possível humanamente. A parábola que Jesus conta a seguir (Mt 18:22-35) vai revelar o princípio de perdoar não como o de cancelar uma dívida por cancelar, mas o de ser uma expressão do caráter do coração perdoador e misericordioso de Deus. É exatamente por isso que em Deus é possível perdoar toda e qualquer ofensa e mágoa. Ele é o grande Deus misericordioso.

Perdoar o próximo muita das vezes não é um processo instantâneo em nossas vidas e se desenvolve na medida que somos curados e amadurecidos em amor. Sabemos que existem ofensas e mágoas de pessoas que nos machucaram que são como feridas muito profundas em nossas almas, às vezes parecem danos imperdoáveis. As dores presas na memória ofuscam o caráter amoroso e misericordioso de Deus. Podemos inclusive saber o que é o perdão em teoria na nossa mente e ainda assim estarmos presos a ofensas passadas como escravos das nossas próprias dores. Diante disso, Deus vê o nosso coração e procura nos regar com amor e restauração em nossa alma. Ele deseja que amadureçamos em amor para que se preciso for perdoemos todos os dias a mesma pessoa pela mesma ofensa (a prática do 70 vezes 7). O perdão diário é algo que expressamos a partir de comunhão com o coração de Deus. Ele é a fonte.

Por outro lado, não podemos relacionar o perdão a uma atitude passiva e displicente em relação ao dano causado pelo próximo. Apesar do retorno de Onésimo proposto por Paulo, ainda havia um prejuízo a ser ressarcido a Filemom que o próprio Paulo estava ciente e se dispôs a quitar (Fm 18-19). Do mesmo modo o Deus que perdoa pecadores (1Jo 1:9) odeia o pecado (Hb 1:9). O próprio Deus teve que pagar o dano causado pelo pecado. A nossa dívida não foi cancelada como alguém que simplesmente se esquece e “finge” nunca ter existido iniquidade. Houve trabalho e sacrifício por parte do Deus vivo para que diante do próprio Deus fossemos aceitos e declarados inculpáveis. Esse é o escândalo do evangelho: Deus salvando sua criatura rebelde de um justo juízo através de uma justiça baseada em sacrificar a si mesmo, pagar a dívida do pecado e estender misericórdia ao homem.

 

“Se observares, SENHOR, iniquidades, quem, Senhor, subsistirá? Contigo, porém, está o perdão, para que te temam.” – Salmo 130:3-4

 

O perdão é a expressão de caráter do coração de um Deus que nos perdoou e pagou por nossos pecados. É a atitude de um coração puro operando em sabedoria e muito mais do que fingir nunca existir uma dívida. Repare que quanto a escravidão, comum na época de Filemom, Paulo não parece ser um abolicionista, mas ainda assim ele defende a presença de amor e perdão entre senhor e escravo. O seu pedido principal era que Filemom abertamente manifestasse o Deus que não nos trata conforme os nossos pecados nem nos retribui conforme as nossas iniquidades (Sl 103:10).

Que o Pai nos dê a graça de manifestar os atributos do Deus que nos criou a sua imagem e nos comprou para sermos a imagem do Seu Filho.

 


 

Referências:

¹ – doutorteologia.blogspot.com.br/2008/11/carta-filemon.html

² – estiloadoracao.com/epistola-de-paulo-filemom/

³ – pt.wikipedia.org/wiki/Ep%C3%ADstola_a_Fil%C3%A9mon

Sobre o autor

Mauricio Barbosa

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