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A Parábola da vinda do filho do homem

Teologia

No mundo moderno o uso da linguagem tem sido expressado de forma cada vez mais criativa. Pode-se entender que linguagem é um fenômeno humano e, por conseguinte, está intrinsecamente relacionada com práticas sociais. Mesmo em uma era de complexa informação o ser humano permanece usando a linguagem verbal como forma principal de se expressar, ora de forma direta, ou de maneira indireta.

Observando o texto sagrado podemos perceber o uso de parábolas tanto no Velho como no Novo Testamento. É uma forma literária que devemos ter cuidado na sua interpretação como narrativa histórica, ou na excessiva espiritualização de cada elemento determinado pela parábola. 

As parábolas escatológicas

Existem diversos tipos de parábolas nos evangelhos. Neste momento o foco está sobre as parábolas escatológicas ou parábolas preparatórias. Destas, temos 7 nos evangelhos.  Antes da análise das mesmas é preciso ser traçado um esboço mínimo da expectativa de Jesus ao comunicar seu método didático-pedagógico peculiar. As narrativas feitas por Jesus, utilizando as parábolas escatológicas, têm como “background pessoal” a certeza de um Juízo sobre os seus contemporâneos, sua morte, sua ressurreição e posteriormente a vinda do Filho do Homem em glória para trazer a salvação e o Juízo Final. 

No capítulo 16 de Mateus, Jesus fala que seria necessário sua morte e sua ressurreição. Em Mateus capítulo 20, Ele prediz novamente a sua morte e sua ressurreição. E a partir disso, pressupõe-se o entendimento de que Jesus tinha a sapiência de todo o plano Divino e dos estágios anteriores e vindouros. Essa informação é importante, pois seria necessário seu conhecimento para que as parábolas escatológicas ou preparatórias tivessem êxito em seu propósito.

Dito isso, a leitura das parábolas de modo algum podem ser interpretadas como mito, lenda ou fábula. Também não é apropriado identificá-las como histórias reais, ainda que apresentem aspectos cotidianos terrenos da vida do ouvinte. A parábola é o meio de transmitir uma mensagem, mas não é, geralmente, a mensagem em si. 

 A Parábola da vinda do filho do homem 

O registro desta parábola aparece nos 3 evangelhos: Mateus 24:32-44, Marcos 13:28-37 e Lucas 21:29-36. O texto é exposto dentro de um contexto escatológico, no qual, de forma didática, Jesus sinaliza aos discípulos os sinais do fim dos tempos e da sua vinda.

Jesus tinha acabado de ter um embate teológico com os escribas e fariseus no templo.  Ele havia denunciado a negligência deles no cumprimento da lei e como eles influenciavam o povo de forma negativa levando os mesmos a pecarem contra o Eterno. Além de não reconhecerem Jesus como o Messias, atitude que era fruto de uma religiosidade vazia. Após o embate, Jesus e seus discípulos se retiraram do Templo.

Então, Jesus aproveita para ensinar os seus que a corrupção religiosa era tão grande em Israel que até o templo, que naquele momento recebia a admiração dos discípulos, iria sucumbir.  Isso gerou questionamento entre eles com a afirmação do mestre – este é um recurso, como um gatilho, que Jesus usa para chamar a atenção dos seus discípulos para falar sobre o futuro.

Para onde vocês estão olhando?

Depois de ter dito aos seus discípulos que a estrutura suntuosa do templo iria ruir, e de ter aguçado a curiosidade dos seus seguidores, Jesus começa sua narrativa escatológica que está contida em Mateus 24:3. 

E, estando assentado no Monte das Oliveiras, chegaram-se a ele os seus discípulos em particular, dizendo: Dize-nos, quando serão essas coisas, e que sinal haverá da tua vinda e do fim do mundo? Mateus 24:3

Ali ele chama a atenção dos seus discípulos sobre a necessidade de não se permitirem serem enganados. Ora, se o mestre diz que existe a necessidade de estarem atentos para não serem enganados, é porque o engano era algo possível.  Prova é que, mesmo depois de um embate teológico com os mestres da lei registrado em Mateus 25, os discípulos ainda mantinham um olhar romântico acerca do sistema litúrgico da época. E, apesar de serem testemunhas oculares da mensagem do Cristo, ainda tinham o entendimento obscurecido. 

Princípio das dores

No decorrer de Mateus 24:5-7, Jesus vai pontuando acontecimentos que precederiam a vinda do Filho do Homem: falsos messias, guerras e rumores de guerra, fome, pandemias e terremotos. No verso 8, do mesmo capítulo, o Mestre dá uma pausa no relato dos acontecimentos e foca em informar seus discípulos que quando estes episódios narrados, neste mesmo capítulo, ocorrerem simultaneamente em escala global, então seria o início das dores.

A narrativa segue e aparece a informação de que os cristãos seriam perseguidos, presos, torturados, mortos e odiados em todas as nações – importante registrar que isso ainda é uma realidade em algumas nações… Jesus então sinaliza que neste período de perseguição global e apostasia aconteceria juntamente com traição e ódio.

Dando continuidade ao seu discurso ele sinaliza que se levantarão influenciadores que enganarão a muitos, o amor também será escasso e a maldade abundante: uma narrativa perturbadora que é apascentada pela promessa de que aquele que for fiel até o fim será salvo (Mateus 24:9-13).

Um funil de catástrofes 

Mateus 24 é um funil de acontecimentos catastróficos que devem ser entendidos de maneira progressiva e gradativa: à medida que se aproxima a vinda do Messias as dores aumentam em intensidade e em quantidade. Isolar o relato e tentar encaixá-lo em acontecimentos no mundo acarretam em interpretações erradas. Assim como falso discernimento da realidade escatológica, pode levar a histeria coletiva, descrédito ao texto escatológico e produção de material que não está alinhado com o verdadeiro significado proposto pelo autor bíblico.

Como Jesus resolve a problemática da interpretação errada?

Jesus propõe a parábola da figueira para ensinar os discípulos a identificar os fatos descritos de Mateus 24:5-32, evitando assim falhas de percepção dos eventos vindouros. 

O povo hebreu já havia vivenciado, em certa medida, alguns acontecimentos narrados por Jesus. Falsos salvadores, guerra, fome, crises econômicas e etc – por isso, a necessidade de uma técnica didática mais apropriada. 

A parábola da figueira precede mais outras 3 parábolas escatológicas presentes nos capítulos 24 a 25 de Mateus. Um destaque em Mateus 24:32 é o “Aprendei”. O próprio autor da parábola indica que é possível saber pontuar no tempo o início dos fatos precedentes à vinda do Filho do Homem. Os textos sagrados, de Gênesis a Apocalipse, não trazem a informação de tempo – “cronos”, dia e hora – porém eles revelam acontecimentos prévios, dando ao cristão diligente, a possibilidade da espera segura à era do advento final.

Figueira: uma árvore ou Israel 

Como já foi dito, a parábola usa de elementos comuns, conhecidos pelo público, para melhor assimilação da mensagem. Dentro do contexto de Mateus 24 identificar a figueira como uma árvore literal, de farta abundância em Israel, é mais coerente na hermenêutica do que aplicar simbologias fundamentadas em conjecturas pessoais na passagem. Aqui, a figueira é usada como exemplo para pontuar uma mudança de estação. Ajudando assim os discípulos a discernirem que os eventos relatados são como a troca das folhas da figueira. Os eventos predizem a troca de era, são o prelúdio do Dia do Senhor. 

Existe a interpretação de que a figueira é uma ilustração de Israel e do judaísmo. Elas usam dos acontecimentos de 1947, onde Israel volta a ser uma nação novamente, para explicar o brotar e o renovo das folhas da figueira. Em conexão a isso, surgiram diferentes interpretações de que a “geração” que foi testemunha do ressurgimento do Estado de Israel, seria a geração que testemunharia do advento final de Cristo. Neste sentido, alguns exegetas fundamentaram suas observações com cálculos matemáticos para confirmarem suas interpretações. Um destes cálculos define uma geração com o tempo de quarenta anos e marcaram a vinda de Jesus para o ano de 1988. Como Jesus não veio nessa data, reformularam o cálculo alegando que uma geração deve ter 70 anos. O ano de 1948 somando a 70 anos é igual a 2018, e hoje em 2020 percebemos que o cálculo não deu certo de novo.

Menos é mais

O objetivo de Jesus, no uso da parábola da figueira, era facilitar o entendimento e não complicar. Entender o contexto e o público para a qual esta parábola foi direcionada é o segredo para a compreensão da mesma. Em Mateus 24:36, Jesus é enfático em dizer que o dia e hora do retorno do Filho do Homem não serão possíveis de saber antecipadamente. Direcionando o entendimento dos discípulos mais uma vez aos eventos e não a segredos subliminares da parábola. 

“Por isso vigiai, pois não sabeis em que dia o vosso Senhor vem”, isso ainda é válido para os cristãos nos dias de hoje. O compêndio bíblico nos dá informação suficiente para estarmos prontos para o dia do Senhor. Aquele que será pego desprevenido é o mesmo que não guardou a palavra do Senhor em seu coração. Quando o texto bíblico adverte que o Dia do Senhor será como a chegada de um ladrão à meia noite, tem como alvo aqueles que não se atentam para as parábolas, como a de Mateus 24. A simplicidade da literalidade do texto vale mais do que a elaborada interpretação escatológica fundamentada em mística e conjectura.

Uma figueira nos dias de hoje

O Senhor voltará para uma noiva acordada, que reconhecerá sua voz. Que observará nos eventos contemporâneos o perfume do seu amado, que fica mais forte à medida que ele se aproxima. Karl Barth, renomado teólogo suíço, dizia que o cristão deve carregar em uma das mãos a Bíblia e na outra o jornal. Para que, com sabedoria e sem medo, possa olhar para o hoje confiante de que haverá um amanhã. A parábola da figueira não tem como intuito amedrontar, mas trazer a certeza de que, no final, tudo irá dar certo.

Além disso, a parábola não deve estar sinalizando os tempos somente no texto bíblico. Mas, deve estar plantada no coração da noiva de Cristo, apontando, no hoje, o que o Eterno está preparando para o amanhã. 

As parábolas bíblicas já são bem familiares para os cristãos e nem precisa ser um há muito tempo para se deparar com elas principalmente ao ler os evangelhos sinóticos: Mateus, Marcos e Lucas. Pois ali é possível encontrar várias parábolas ensinadas por Jesus sobre diferentes temas, objetos e personagens.

Mas seria uma parábola somente uma metáfora para facilitar a compreensão das mentes humildes sobre verdades eternas?

Ao decorrer dos séculos estudiosos foram conceituando as parábolas como um melhor método de ensino do que o próprio sermão, trazendo a ideia de que a forma padrão de exposição das verdades bíblicas deveria ser sempre narrativa, ou seja, sempre uma história contada, afinal foi o que Jesus fez. Porém, o lugar de ensino, exposição e exortação é através de uma pregação bíblica, logo um não anula o outro.

É natural entre os estudiosos da bíblia a dificuldade de se definir uma parábola dentro de um gênero literário específico ou apresentar uma definição que se aplique a todas elas em suas variações.

Dificuldade presente para apresentar uma definição e exemplo de reducionismo

A primeiro momento pensamos nas parábolas como histórias. Vejamos um comentário bem interessante de distinção que John MacArthur faz entre uma parábola e uma história em seu livro sobre as parábolas de Jesus:

“..existe uma diferença clara e significativa entre parábola (uma história criada por Jesus para ilustrar um preceito, uma proposição ou um princípio) e história (uma crônica de eventos que de fato aconteceram). A parábola ajuda a explicar uma verdade; a história nos fornece um relato factual daquilo que aconteceu. Apesar de a história ser contada em forma narrativa, ela não é ficção ilustrativa, mas realidade.”

Partindo desse ponto sabemos que dificilmente ao ler uma definição de parábola ela acabará por ser verdade para todos os casos. Por esse motivo é recomendável que cada parábola seja abordada de modo singular e não em comparação com todas as demais existentes.

Muitas pessoas veem as parábolas como simples histórias terrenas com significados celestiais, apesar de existir um pouco de verdade sobre essa afirmação, ela não é suficiente para definir todas as parábolas, já que muitas são muito mais que ilustrações, e embora algumas tratem de escatologia, não estão falando apenas da vida futura mas sim sobre a vida nessa era. Essa redução que se faz de uma parábola bíblica a uma simples história é definida como um reducionismo.

Diversas definições ineficazes

Infelizmente quase todas as definições de parábola se mostram ineficazes, pois quase toda definição que se mostra ampla para abranger todas as parábolas, acaba por se mostrar imprecisa. Algumas conhecidas são, “A parábola é uma criação literária na forma de narrativa desenvolvida para retratar uma espécie de caráter por advertência ou exemplo, ou para encarnar um princípio do governo de Deus para com este mundo e com os homens”.

Sim, as parábolas falam de Deus e da humanidade, mas nem todas elas são narrativas. “No nível mais básico, a parábola é uma metáfora ou imagem tirada da natureza ou da vida comum que prende o ouvinte pelo seu caráter vivo ou esquisito, que deixa a mente com um nível suficiente de dúvida acerca da sua aplicação precisa a ponto de lhe lançar pensamentos ativos”.

Uma parábola é muito maior que uma metáfora ou imagem. E apesar de para alguns textos ela ser útil, para outros ela se mostrará inútil. Outra definição de parábola é “a conjunção de uma forma narrativa com um processo metafórico”. Como já foi escrito antes essa definição pode se mostrar útil para alguns textos, mas para outros não, devido a abrangência de variedades e aplicações que são abordados por Jesus em cada contexto que ele ensina através de parábolas.

Fatores contra

Uma parábola não é simplesmente uma analogia. É uma metáfora prolongada com uma lição espiritual específica contida na analogia. Mas, apresentar uma definição técnica que se aplique a todas as parábolas de Jesus é notoriamente difícil. Um dos fatores que dificultam a definição é a variedades de parábolas.

Em Mateus 15:15, por exemplo, Pedro pede que Jesus explique “esta parábola” presente no versículo 11 “O que torna o homem impuro não é o que entra pela boca, mas o que sai dela; é isso que o torna impuro”, mas na verdade o que está presente nesse versículo é simplesmente um par de proposições simples, algo como um provérbio, mesmo assim trata-se de uma parábola. Além do problema por causa das várias parábolas ocorre também o problema decorrente da tradução.

Em Lucas 4:23, por exemplo. “Jesus lhes disse: “É claro que vocês me aceitaram este provérbio: ‘Médico, cura-te a ti mesmo!’ Faze aqui em tua terra o que ouvimos que fizeste em Cafarnaum”. No texto grego a palavra que é usada para se referir a provérbio é parabolē, palavra que é traduzida normalmente como parábola. Ao ver isso fica aparente que a ideia bíblica de parábola é mais abrangente que as definições sugeridas pelos comentaristas, e essa é a razão pela qual é difícil chegar a um número exato de parábolas.

Etimologia da palavra Parábola

A palavra grega traduzida como “parábola” nos Evangelhos sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas) é parabolē e é usada cinquenta vezes em 48 versículos do Novo Testamento. Duas vezes, a palavra é usada em Hebreus para indicar uma fala figurativa: “[O primeiro tabernáculo] é uma ilustração [parabolē] para os nossos dias” (9:9) e “Abraão levou em conta que Deus pode ressuscitar [Isaque]; e, figuradamente [parabolē], recebeu Isaque de volta dentre os mortos” (11:19). Todas as outras 48 ocorrências do termo no Novo Testamento se encontram nos Evangelhos sinóticos, nos quais a palavra é traduzida sempre como “parábola” ou “parábolas”, sempre se referindo às histórias de Jesus.

A palavra deriva das raízes gregas: para (“ao lado”) e ballō (“lançar”). Literalmente, significa “colocar ao lado”, sugerindo uma comparação entre duas coisas que são semelhantes em algum aspecto. A derivação da palavra parábola, portanto, se refere à analogia entre algum lugar comum da realidade e uma verdade espiritual profunda.
  

O objetivo das Parábolas

As parábolas são como lentes que ao ver através delas nos é possível enxergar a verdade para assim conseguirmos corrigir aquilo que outrora não era possível. O objetivo imediato de uma parábola é ser algo bastante atraente para assim chamar a atenção do leitor, seu objetivo final é despertar uma compreensão mais aprofundada sobre ela e assim estimular o leitor a uma mudança de ação. As parábolas bíblicas revelam o caráter de Deus e a sua maneira de agir. Revelam também como a sua criação deve agir.

As parábolas não simples histórias informativas. Elas capturam a atenção do leitor, provocam a reflexão e geram a mudança, elas buscam voltar as pessoas para atitudes dignas do evangelho e exigidas no Reino de Deus. Elas não ensinam passividade, mas nos instigam a fazer algo, buscam uma resposta radical das pessoas para serem imitadores de Cristo. 

Conclusão

Portando, uma parábola não é simplesmente uma analogia. Uma parábola é uma figura de linguagem ilustrativa com fins de comparação e tem como fim ensinar uma lição espiritual. Ela pode ser grande ou pequena. Podem ocorrer diversos tipos de figuras de linguagem, metáforas, provérbios, entre outros. Mas ele sempre faz uma comparação de algo comum a realidade a alguma verdade espiritual mais profunda.

A parábola pode estender a comparação e a transformar em uma história mais longa. Ou em uma metáfora mais complexa, e o significado (sempre alguma verdade espiritual) não é necessariamente óbvio. A maioria das parábolas de Jesus exigia algum tipo de explicação.

Em 1 Coríntios 10:12-13 lemos o seguinte sobre tentações: 

“Aquele, pois, que cuida estar em pé, olhe não caia. Não veio sobre vós tentação, senão humana; mas fiel é Deus, que não vos deixará tentar acima do que podeis, antes com a tentação dará também o escape, para que a possais suportar. “ (ACF)

Todas as vezes que pensamos em tentação, acreditamos que Deus está à parte disso, que talvez Ele não faça nada a respeito, pois sabemos que a tentação vem do diabo, segundo as nossas próprias fraquezas carnais (Tg. 1:13-15). Deus pode não nos tentar, mas Ele cria possibilidades para a tentação. Quem plantou a árvore do conhecimento do bem e do mal no jardim? O próprio Deus. Quem levou Jesus para ser tentado no deserto? Deus. 

As tentações e o escape

Quando lemos Coríntios, vemos shop que com a tentação Deus provê o escape. Portanto, podemos dizer que a tentação é um presente para o cristão. Ele não faz para produzir o mal, mas para trabalhar algo dentro de nós. Ele deseja construir algo em nosso caráter que não é possível fazer fora da tentação. 

Na jornada da vida cristã aprendemos de diversas situações e formas, mas existe uma etapa que só compreendemos diante da tentação. Todo cristão terá que passar por isso, pelo caminho de aprendizado em que a obediência e paciência são formadas em nós.

Nem sempre a provação vem com tentação, Deus muitas vezes nos prova e isso pode ou não envolver tentação. Satanás nos tenta para derrubar e enfraquecer, e, não para trazer um ensino sobre algo. Porém, está dentro do plano de Deus produzir em nós um caráter aprovado através disso e que seja capaz de resistir às tentações.

Posicionando nosso coração

Deus deseja produzir em nós a humanidade perfeita de Jesus e isso custa caro. Estar em Jesus não significa pular etapas e pegar atalhos, mas passar por tentações como Ele passou. Então, se existe a possibilidade da tentação, em Jesus podemos vencê-la. A vitória de Jesus sobre as provações nos ajuda  posicionar nosso coração para ver a tentação como um presente.

“Ora, a serpente era mais astuta que todas as alimárias do campo que o SENHOR Deus tinha feito. E esta disse à mulher: É assim que Deus disse: Não comereis de toda a árvore do jardim? E disse a mulher à serpente: Do fruto das árvores do jardim comeremos, mas do fruto da árvore que está no meio do jardim, disse Deus: Não comereis dele, nem nele tocareis para que não morrais. Então, a serpente disse à mulher: Certamente não morrereis. Porque Deus sabe que no dia em que dele comerdes se abrirão os vossos olhos, e sereis como Deus, sabendo o bem e o mal. E viu a mulher que aquela árvore era boa para se comer, e agradável aos olhos, e árvore desejável para dar entendimento; tomou do seu fruto, e comeu, e deu também a seu marido, e ele comeu com ela. Então foram abertos os olhos de ambos, e conheceram que estavam nus; e coseram folhas de figueira, e fizeram para si aventais.” Gênesis 3: 1-7  (ACF) 

As tentações mudam a perspectiva

Esta é a narrativa da queda, em que algo mudou a perspectiva deles. Aquela que era apenas mais uma dentre todas as árvores do jardim agora se tornou a desejável. Satanás sempre usará desejos e sentimentos legítimos para mudar a perspectiva sobre as situações. O pecado é resultado disso, de  um pensamento distorcido e uma mentalidade errada que pode gerar uma crise de confiança.

Na narrativa da queda podemos observar como a serpente muda a perspectiva de Eva sobre a situação. Deus começa com uma afirmação: “De todas as árvores podereis comer…”. A serpente começa de outra forma: “É assim que Deus disse: Não comereis de toda a árvore...”; ela começa logo com uma negação, conseguindo assim, mudar a visão de Eva. Agora ela não vê mais 499 árvores, ela só consegue ver que não possui 500. A serpente conseguiu capturar a atenção de Eva, colocando o foco justamente naquela que não pode comer e isso se tornou desejável. 

A voz da tentação começa com a negação e muda a nossa perspectiva. Não é com grandes mentiras, mas com a distorção da verdade que se dá a tentação. E quando a verdade é distorcida, também acontece uma distorção da nossa perspectiva da realidade; e assim gera o primeiro gatilho da tentação dentro de nós, a ingratidão. Não somos gratos por 499, pois precisamos de 500. Começamos ver a realidade pela perspectiva da falta. Não vemos mais o que foi nos dado, apenas vemos o que está faltando.

Como vencer a tentação?

Para vencer a tentação precisamos olhar para Jesus. No deserto, Ele mesmo foi tentado em Sua identidade quando satanás sugere que Ele transforme a pedra em pão. Ele poderia ter duvidado de quem Ele era. Geralmente somos tentados a duvidar da nossa identidade em Deus, daquilo que Ele afirmou sobre nós. Jesus nos ensina que a voz do caráter de Deus deve ser maior que a voz da carência.

É comum na jornada cristã tropeçarmos ou até cairmos, mas precisamos nos posicionar e resistir às tentações . Nós vencemos elas quando entendemos quem somos em Deus e quem Ele é para nós, quando resistimos às carências e obedecemos a voz do caráter de Deus revelado nas Escrituras.

Você deve esta se perguntando, o que é Coram Deo? O que isso significa? 

Muitos cristãos não conhecem, ouviram, ou mesmo tiveram contato com a palavra Coram Deo. Isso acontece devido há muitos fatores, um deles, é o distanciamento de uma geração de crentes do cristianismo histórico, da sua própria história e da tradição intelectual da igreja, fazendo de suas experiências empíricas a única forma de entender a vida e a realidade de Deus.  Mas esse não é foco desse pequeno artigo. Quero aqui, de uma forma direta, te ajudar a descobrir e entender o que de fato significa Coram Deo.  

Afinal, o que é Coram Deo?

Coram Deo é uma palavra em latim, usada principalmente durante a reforma protestante no século XVI. A sua tradução significa “diante de Deus”. Mas o que nos impressiona é fato do quão profundo é o conteúdo filosófico e teológico por trás das palavras. Seu foco principal é promover a consciência do que é uma vida cristã, sua essência e consequências. Porque viver na presença de Deus, perante Deus, sob a autoridade de Deus e para a glória de Deus vai muito além do “lugar secreto”.

A história cristã é marcada por muitas lutas e controvérsias. Irmãos que deram suas vidas – seguindo exemplo do seu Senhor, Jesus – para que a verdade pudesse ser transmitida e permanecesse. Das “grandes” lutas travadas por esses irmãos, está a noção do Senhorio de Cristo. Às vezes, até uma forma honesta, irmãos pensavam que a vida cristã era uma guerra entre dois mundos, de luta do bem contra o mal. E de dois reinos e dois reis. 

Sagrado e o profano

No período medieval era muito comum a ideia de dividir a vida e a realidade entre o sagrado e o profano; entre o religioso e o não religioso. A distorção dessa verdade promoveu um tipo de espiritualidade, mas parecida com neoplatonismo, aristotelismo e muitos outros “ismos” da filosofia clássica. E no período do iluminismo isso foi de fato “sistematizado” pelos cristãos, como uma forma de reação a tudo que estava acontecendo, diante de uma espiritualidade que não conseguia conectar a mensagem do evangelho com a vida, foi quase que inevitável a prática dessa dicotomia da vida, fazendo da vida cristã, da vida sacra “o mundo separado dos cristãos”. Então, foi contra esse tipo de pensamento reducionista que os reformadores protestaram afirmando que todos nós vivemos na presença de Deus, e que a vida é Coram Deo.

Lutero afirmava que:

“A existência humana é vivida coram deo, diante de Deus ou na presença de Deus.” Perguntaram a Lutero:  “O que um sapateiro convertido poderia fazer para servir melhor à Deus e ser um cristão melhor.” Lutero respondeu: “Faça um bom sapato e venda por um preço justo”.

Calvino falou coisas muitos semelhantes. Destacou que em todas as dimensões da vida, os seres humanos têm “negócios com Deus”.  

Imago Dei

Precisamos ter a consciência de que todas as pessoas, apenas por serem humanos, são a imagem de Deus (Imago Dei). São responsáveis diante de Deus por tudo o que são, fazem e pensam. 

Cada pessoa vive coram deo, isto é, perante a face de Deus, e assim é responsável diante dele por todo pensamento e ação. Todos os homens vivem diante Deus, aceitam isso ou não, acreditam nisso ou não. Pense comigo, alguém regenerado pela obra Cristo, como deveria viver diante de tal realidade? 

Viver a vida inteira na presença de Deus é entender que absolutamente tudo o que estamos fazendo e onde quer que estejamos fazendo, nós estamos agindo debaixo do olhar fixo de Deus. Por isso, tudo que o homem faz, o faz para a glória de Deus ou para a sua desonra.

Deus: a referência de tudo

Por isso, o conhecimento de Deus tem que nos levar para uma vida coram deo. Conhecer a Deus não afeta só a nossa teologia, ela afeta todas as áreas do saber e do viver humano. Sendo Deus a referência para todas as coisas que nós conhecemos. Portanto, uma vida cristã precisa ser uma vida coram deo. Uma vida não apenas pautadas nas experiências empíricas ou “sobrenaturais”, mas porém, uma vida Teoreferente!  Isto é; ter a Deus como referência de tudo.  

Se Deus é referência de tudo que eu conheço, então a leitura que eu faço de todas as coisas tem um ótica teológica, ótica cristã, é coram deo. 

O teólogo holandês Herman Bavinck diz :

“Desta graça comum (a providência de Deus para todos, crentes e incrédulos)  procede tudo o que é bom e verdadeiro que ainda vemos no homem decaído. A luz ainda brilha nas trevas. O Espírito de Deus vive e trabalha em tudo o que foi criado. Logo, ainda permanecem no homem certos traços da imagem de Deus. Há ainda intelecto e razão; todas as espécies de dons naturais ainda estão presentes neles. O homem ainda tem percepção e uma impressão da divindade, uma semente da religião. A razão é um dom inestimável. A filosofia é um dom admirável de Deus. A música também é um dom de Deus. As artes e as ciências são boas, proveitosas e de alto valor.”

Dualismo

Concluo que, embora não estejamos na era medieval e nem na época do iluminismo, um olhar para grande parte da igreja hoje, vemos que o coram deo é algo que se perdeu. A maioria dos crentes de nossa geração vive um cristianismo que é totalmente divorciado da sua experiência de realidade. É um cristianismo subjetivo, que só é percebido, ou vivido, quando a pessoa está na igreja, servindo em algum ministério, ou quando está fazendo missões transculturais, fazendo da vida e da vida cristã uma dicotomia prática. É muito comum vermos cristãos, em geral novos convertidos, falando a seus pastores: “quero muito servir a Deus, há alguma vaga em algum ministério para mim?”

Assim, há uma supervalorização das atividades consideradas “espirituais” e uma negligência com relação às atividades chamadas “seculares”, como o estudo, o trabalho, a família e as outras responsabilidades que, em tese, não estão diretamente relacionadas à nossa fé.

Com o “sapateiro” perguntado a Lutero, poderia servir a Deus fazendo sapatos. Afinal, o que sapatos têm a ver com o Reino de Deus? A questão é que o Reino de Deus não se resume às atividades realizadas na igreja, mas envolve tudo o que fazemos, falamos e pensamos. Tudo deve estar debaixo do senhorio de Cristo. Toda nossa vida é para a glória de Deus, todo nosso ser, todas as áreas que possamos atuar ou vivenciar está debaixo da glória de Deus e devemos usá-las para honrar e glorificar a Deus!

Coram Deo: tudo para a glória de Deus

Como nos ensina Abraham Kuyper nessas duas falas históricas:

“Não há um único centímetro quadrado em todos os domínios de nossa existência, sobre os quais Cristo, que é soberano sobre tudo, não clame: É meu!”

Portanto, devemos viver para glória de Deus, por meio do que somos e do que fazemos. Como ensinaram os apóstolos Paulo e Pedro: 

“Assim, quer vocês comam, bebam ou façam qualquer outra coisa, façam tudo para a glória de Deus” (1 Coríntios 10:31).

“E tudo o que fizerdes, seja em palavra, seja em ação, fazei-o em nome do Senhor Jesus, dando por ele graças a Deus Pai.” (Colossenses 3:17)

“Se alguém fala, fale de acordo com os oráculos de Deus; se alguém serve, faça-o na força que Deus supre, para que, em todas as coisas, seja Deus glorificado, por meio de Jesus Cristo, a quem pertence a glória e o domínio pelos séculos dos séculos. Amém!” (1 Pedro 4.11)

Soli Deo Gloria!

Estamos vivendo um momento em nossa história em que a política é mal vista em todos os ambientes, ângulos e modos. Com o cristão não é diferente. De fato, diante de tantos escândalos e exposições da corrupção dos políticos de muitas nações (principalmente da nossa), isso não se torna uma surpresa. No entanto, essa realidade pode ser um pouco proveniente de nossa ignorância, visto que, precisamos compreender primeiramente que a política, em sua essência, não é má. De modo geral, a política é uma ferramenta de organização social, de adaptação de ordens, de leis e regras. É o modo de colocar as coisas em ordem de forma que uma sociedade, uma família ou qualquer que seja a instituição, funcione corretamente.

Espaços políticos

Possivelmente você discorde repentinamente ou até se assuste com essa informação, mas não há como viver em uma sociedade sem política. É isso mesmo! Na verdade, não temos a mínima condição de viver em uma sociedade anárquica, em que cada um vive como entende. E se tivermos a consciência das condições reais da humanidade, isso no mínimo nos daria o relance do caos sem dimensão que seria. Vou te dar exemplos práticos sobre algumas formas de política as quais não podemos simplesmente ignorar. Você participa de uma igreja onde, para tomar algumas decisões, se fazem assembleias? Você faz parte um grupo de convívio? Veja, isso é uma forma de política. Você mora em um condomínio onde existem reuniões para votação de decisões referentes ao lugar? Então, isso é política. Sua igreja apresenta uma divisão em departamentos, responsáveis por resolver questões e trabalhar em prol de um melhor funcionamento da instituição?  Simplesmente isso é política. 

Não há como viver sem política, mesmo em ambientes eclesiásticos. Logo, isso nos mostra que a política não é em si mesma má. Mas, então, você pode estar se perguntando: Há como fazer uma política boa? Sim! Sem dúvidas. A política está presente em nossas escolas, famílias, trabalho e em nossas relações. Então, administração política é imprescindível para nossa sociedade. 

Provavelmente você possa pertencer a grupos de pessoas que afirmam que: “política não é importante e nem boa porque não tem política na bíblia”. Isso é verdade? 

A política nas Escrituras

Quem falou que não tem política na bíblia? Vejamos.   

“Tu estarás sobre a minha casa, e por tua boca se governará todo o meu povo, somente no trono eu serei maior que tu.” Gênesis 41.40 “…por tua boca se governará todo o meu povo”.

Essas são palavras de Faraó a José, o qual se tornara governador ao seu lado em uma posição política. Há outros exemplos de posições políticas na bíblia como Daniel, que em seu tempo tornou-se um personagem importantíssimo na corte da babilônia e Ester, que se tornou uma ferramenta de Deus para salvar os Hebreus exercendo tal característica. Assim como o rei Salomão e o rei Davi, que também atuavam politicamente sobre seu povo, e historicamente Israel que esperava a vinda do Messias, o qual iria transformar a história com uma postura política. E sim, Cristo virá e terá uma posição política sobre toda a terra!   

Mas, então, qual seria o problema? A explicação consiste na má política e no jogo político como troca de favores, esquemas e a busca do autobenefício. Tudo isso, no entanto, expõe uma corrupção já contida no próprio coração. O erro não está em um cristão assumir posições políticas em seu município, cidade ou estado, e sim que, por conta dessa corrupção e de um sistema maligno dominante, a máquina pública praticamente “funciona” por si só, e um cristão ao entrar é levado ao jogo dominante.  Isso significa que não existe um político honesto? Não, porém, quando encontrado é considerado como um herói ou é visto com mais desconfiança ainda devido a tanto descrédito. 

O Cristão na política

O questionamento agora é: “Como um cristão deve se enquadrar no espectro político? O Cristão deve assumir uma posição política? Abraçar um partido? É… Isso nos obriga a uma fundamentação mais difícil e talvez mais polêmica: Cristo tinha uma posição política?

É absolutamente impossível esgotar esse assunto neste breve artigo, e existem muitas pessoas capacitadas cujas explicações são vastas sobre o mesmo. Não obstante, irei deixar aqui alguns pontos, os quais considero de extrema importância para a nossa reflexão sobre o tema: 

Um breve histórico

Primeiro: O significado de “política” na Palestina do 1º século é muito discrepante do nosso entendimento de política, pois a ciência moderna, tampouco a ciência política existiam. Ao invés de constituir uma das esferas da sociedade como experimentamos nos últimos séculos, a política antiga era integrada no sentido religioso da vida. Por exemplo, o Imperador César Augusto era o “pai” do Império, e o filho de Apolo para governar o mundo. No entanto, a palavra “kyrios” ou “senhor” captura bem todos esses sentidos e não é à toa que a primeira confissão da igreja foi “Jesus Cristo (e não César) é o Senhor”.        

Jesus foi perseguido e morto por uma trama de partidos inimigos, os fariseus, os quais eram uma seita apocalíptica e influente fora de Jerusalém, uniram-se com a elite do Templo (saduceus) e com os herodianos (pró-Roma) para incriminá-lo e matá-lo. Quando chegou a hora de ser preso, Jesus fez questão de deixar claro que sua práxis e objetivos não se enquadravam aos dos revolucionários zelotes (“quem levantar a espada, pela espada morrerá”). Alguns estudiosos tentam aproximar Jesus ao movimento Essênio, porém, não há base textual suficiente para tal afirmação. Jesus, portanto, incomodou a posição de muita gente, para não dizer, de todas as gentes, afinal, Ele não se enquadra em nenhuma caixa.

Jesus e o Reino de Deus

Segundo: A preocupação com os pobres, oprimidos e a centralidade para o cuidado com o vulnerável é simplesmente INEGÁVEL na vida de Jesus, dos primeiros apóstolos, da igreja primitiva e mesmo da patrística. Jesus, como representante da tradição profética (“o último dos profetas”, o filho de Deus em quem toda profecia e lei se realizaram), era incansável em apontar a bem-aventurança dos pobres, condenar o abuso das riquezas e insistir que os que tinham dividissem com quem não tinham. Jesus afirmava que o Reino de Deus é o lugar dos que abrem a vida e comunidade para os excluídos pelo sistema Imperial e pela elite do templo, até mesmo firme posição sobre questões sexuais e forma como essa questão era tratava em sua época (leia o Evangelho de Marcos 7). 

Terceiro: O tema central da sua pregação era “o Reino de Deus”, e infelizmente, em muitos contextos evangélicos, o entendimento consiste em “ir para o céu imaterial quando eu morrer”. Entretanto, o Reino de Deus, segundo a oração do Pai Nosso, é a pregação de que a realidade Divina está invadindo, redimindo e transformando nossa condição presente. 

Sinalizadores de um Reino

O termo Shalom (paz) era o alvo: toda a criação, todos os sistemas e toda a humanidade deveria funcionar em justiça, amor, equidade e responsabilidade. O mundo perdido de Gênesis não seria encontrado em uma volta para o jardim. E, sim, em uma nova cidade – uma nova pólis, que o próprio Deus estava inaugurando em Jesus. Portanto, se somos cidadãos da nova pólis, devemos viver de acordo com sua política.

Mediante à exposição de tais questões, como cristãos e discípulos de Jesus, precisamos transformar nossa mentalidade e compreender que hoje somos sinalizadores de um Reino que será estabelecido sobre toda a terra e que os cristãos necessitam se envolver com políticas públicas para um bem comum social, e antes de ingressar em uma carreira política, questionar a si mesmo se possui vocação para a área, e se está disposto a governar uma cidade e não uma ideologia, igreja e afins. Como cristãos, devemos exercer nossa cidadania com lucidez e firmeza, aplaudir o correto e suplicar sempre por um governo justo para toda a sociedade e não apenas para os seus grupos religiosos. 

Seguindo o conselho do apóstolo Paulo ao jovem Timóteo:

Antes de tudo, recomendo que se façam súplicas, orações, intercessões e ação de graças por todos os homens; pelos reis e por todos os que exercem autoridade, para que tenhamos uma vida tranquila e pacífica, com toda a piedade e dignidade.1 Timóteo 2:1,2

Não seja apenas uma voz de denúncia da injustiça, como também uma voz de súplica para os que governam. 

Deus te abençoe.

Falar sobre cultura é um grande desafio principalmente no meio cristão. A relação do cristão com a cultura sempre foi uma relação de tensões, dúvidas, convicções parciais e conflitos. A própria definição do termo ganha um sentido mais particular, dependendo da época em que ela é feita. Hoje, podemos observar que “cultura” é uma palavra bastante desgastada e ainda muito mal compreendida, com interpretações e nuances em cada contexto a que é aplicada.

Acredito que, enquanto vivermos “nesse mundo” ou nesse século – entendendo que essa é uma afirmação temporal e não uma divisão espacial, enquanto vivermos entre a encarnação e a parousia (o retorno de Jesus) esse será um problema na vida do cristão.  

Mas, o que é cultura? 

Em poucas palavras, são os hábitos, língua e vida artística cultivados em uma localidade ou nação: as histórias, os símbolos, a forma de política, as estruturas de poder, as estruturas organizacionais, o sistema de educação, os sistemas de controle, os rituais e rotinas, etc.  Tudo o que caracteriza a realidade social de um povo ou sociedade: valores, costumes, atitudes e crenças.

Para falar sobre o cristão e a cultura, precisamos lembrar que a igreja não nasceu em nossa geração. Precisamos ter um olhar humilde, examinando a história da igreja para ver como os cristãos do passado lidaram com a cultura.  

O teólogo H. Richard Niebuhr (1894-1962), dentro de sua pesquisa sobre o assunto, presenteou-nos com o livro Cristo e cultura. Nele, o autor apresenta cinco modelos de como os cristãos se relacionaram com a cultura ao longo da história. Até hoje, a pesquisa de Richard Niebuhr, a respeito desse tópico, serve como referência para teólogos, pesquisadores e para as igrejas, pois fornece ferramentas para descrever a forma que os cristãos encaram questões sociais, éticas, políticas e econômicas.

Precisamos entender que, quando o cristianismo surgiu, ele foi imediatamente convocado a enfrentar um difícil problema, pois os cristãos estavam imersos em um entendimento de realidade já existente e tinham sua própria forma de viver há tempos. Uma sociedade repleta de interesses intrincados já havia se formado – existia um Estado no qual seus cidadãos viviam; as artes e ciências tinham suas práticas desenvolvidas e eram elevadas em seu prestígio; costumes e hábitos sociais haviam assumido forma. Em suma, o Evangelho de Cristo encontrou uma rica vida natural, uma cultura altamente desenvolvida. 

Como relacionar-se com a cultura?

Em consequência, levantou-se a inevitável indagação sobre como ajustar as relações entre ambos. Será que os cristãos precisavam rejeitar tudo e viver como se tudo que estava nessa terra fosse uma obra do Diabo? É necessário criar uma cultura paralela, um universo à parte e tornar-se uma subcultura e contracultura radical? Ou ao invés disso abraçar sem reservas tudo como sendo bom, ignorando os aspectos da Queda e da idolatria humana? 

Acredite, todas essas indagações nos assolam até hoje, e ao olhar para a igreja evangélica no mundo é possível perceber que, de alguma forma, elas assumem uma dessas opções: ou tornam-se uma subcultura dentro de uma cultura, ou abraçam a cultura corrente a ponto de não mais observarmos um contraste de trevas e luz.

Mas será que existe uma maneira correta e saudável para essa relação com a cultura? Creio que sim, apesar de esse ser um grande desafio. Precisamos entender que os cristãos (homens resgatados pela obra redentora do Cristo), não foram resgatados do mundo para criarem um universo paralelo ou para abraçam as coisas como se “tudo” fosse bom, vivendo uma utopia. 

Contracultura

As palavras do Apóstolo Paulo aos Colossenses, de alguma forma precisam nos mostrar que a nossa relação com a realidade, deve repousar sobre esse conhecimento.  

“Pois ele nos resgatou do domínio das trevas e nos transportou para o Reino do seu Filho amado, em quem temos a redenção, a saber, o perdão dos pecados.
Ele é a imagem do Deus invisível, o primogênito de toda a criação,
pois nele foram criadas todas as coisas nos céus e na terra, as visíveis e as invisíveis, sejam tronos ou soberanias, poderes ou autoridades; todas as coisas foram criadas por ele e para ele.
Ele é antes de todas as coisas, e nele tudo subsiste.
Ele é a cabeça do corpo, que é a igreja; é o princípio e o primogênito dentre os mortos, para que em tudo tenha a supremacia.
Pois foi do agrado de Deus que nele habitasse toda a plenitude,
e por meio dele reconciliasse consigo todas as coisas, tanto as que estão na terra quanto as que estão no céu, estabelecendo a paz pelo seu sangue derramado na cruz.”  – Colossenses 1:13-20

E agora? De fato, precisamos olhar para a realidade, como intérpretes dela, pois agora a ressurreição não é apenas uma “esperança” e sim uma realidade. Em Cristo, podemos ser contracultura – denunciando as perversões e distorções da cultura, por isso dizemos que “não somos do mundo”, mas estamos no mundo. Em Cristo entendemos que todas as coisas foram criadas por Ele e para Ele. 

Transformando a cultura

O cristão é um agente transformador da cultura, entretanto, ela deve ser levada cativa ao senhorio de Cristo, sem desconsiderar a Queda e o pecado, mas enfatizando que, no princípio, a criação era boa. Lá no princípio, logo após criar o homem, Deus deu a ele os mandatos criacionais (os mandatos espiritual, social e cultural):

E Deus os abençoou e lhe disse: sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra e sujeitai-a; dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus e sobre todo animal que rasteja pela terra.” – Gênesis 1:28

Do mesmo modo que, um dos objetivos da redenção é o anúncio do Reino de Deus, e a cultura não está fora desse Reino. A realidade da ressurreição é espiritual, cósmica e histórica, e a cultura não é algo externo a isso.  Sendo assim, por mais iníquas que sejam certas instituições, elas não estão fora do alcance da soberania de Deus. Ou seja, mesmo sabendo da queda – que não pode ser ignorada, o cristão não abandona a cultura, mas denuncia a falsa cultura e a distorção da mesma. Ele busca sinalizar do reino de Deus, discernindo e comunicando dentro da cultura a famosa tríade transcendental: o bom, o belo e o verdadeiro. Levando a cultura aos pés de Cristo, faz com que a fé, a esperança e o amor estejam em harmonia com a vida daqueles que testemunham o Reino de Deus e toda a sua realidade. Reino de Deus não é utopia!

Dicas

Se você deseja ir mais profundo ao assunto, segue uma lista de livros para auxiliar.  Boa leitura! 

    • H. Richard Niebuhr – Cristo e Cultura 
    • Michael Horton – O Cristão e a Cultura 
    • D. A. Carson – Cristo & Cultura: Uma releitura
    •  Comissão de Lausanne – O Evangelho e a Cultura
    • Andy Crouch –  Culture Making
    • David Platt – Contracultura