Evangelho de João
Contexto Histórico do livro de João
O Evangelho de João cronologicamente foi o último a ser escrito, segundo dados históricos provavelmente entre os anos 95d.C e 100dC¹, data em que João após estar exilado na ilha de patmos havia sido solto². Embora na questão do local de origem deste evangelho haja divergência entre teólogos e historiadores nossa atenção deve estar no fato de que João teve oportunidade de ver a doutrina cristã plenamente revelada e viu os efeitos da pregação desta doutrina em diversas as nações. Além disso, se João escreveu este evangelho após retornar do exílio ele já havia recebido a Revelação de Jesus Cristo, como ele próprio descreve em Apocalipse, fato que explana à nós o motivo pelo qual a Divindade de Jesus é tão reforçada e destacada nos relatos de João. Ele não apenas conviveu com Jesus durante sua vida na terra e alguns dias após a ressurreição mas Ele viu Cristo em sua Glória, Majestade e Esplendor; ele pôde compreender como todas as coisas foram feitas por intermédio de Jesus e sem Ele nada do que foi feito se fez, pois Ele é o Primeiro e o Último.
João mesmo descreve o principal objetivo deste evangelho: “Estes [relatos, fatos], porém, foram escritos para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais vida em seu nome.” (João 20.31). As citações frequentes ao Antigo Testamento, a linguagem de João e os detalhes singulares que apenas ele descreve, bem como a afirmação de fatos já expostos nos outros evangelhos remetem ao objetivo dele: que creiam que Jesus é Cristo, Filho de Deus e então possam ter vida.
Também João já havia visto como a igreja estava caminhando e se preocupava com constante crescimento do gnosticismo3, entre os que se diziam cristãos, um ensino que distorce os principais fundamentos da fé cristã como: salvação, divindade e humanidade de Jesus. Um dos objetivos de suas cartas para a igreja foi fortalecer o evangelho buscando combater as heresias que o gnosticismo trouxe para o cristianismo reafirmando a identidade de Jesus como Verbo que se fez carne, o salvador da humanidade e o Filho de Deus.
João viu muitas profecias que Cristo havia proferido se tornarem realidades, antes mesmo de escrevê-las em seu evangelho, e entendeu a importância dos últimos discursos de Jesus antes de sua morte, talvez este seja um dos motivos que o levaram a relatar o que nenhum dos três evangelhos anteriores ao seu relataram: os últimos ensinos de Jesus, para eles os discípulos, antes de Sua morte. Em especial, as palavras de Jesus descritas em João 15 marcaram discursos nas cartas de João. Ao lermos suas epístolas percebemos que ele guardou e perseverou em ensinar à igreja a importância de permanecer em Jesus e este também será o principal foco deste estudo.
“Então, disse Jesus aos judeus que haviam crido nele: “Se permanecerdes na minha Palavra, verdadeiramente sereis meus discípulos.” (João 8:31)
“Quanto a vós outros, zelai para que aquilo que ouvistes desde o princípio permaneça em vossos corações. Porquanto, se o que ouvistes permanecer em vós, de igual modo permanecereis no Filho e no Pai.” (1 João 2:24)
“Todo aquele que não permanece no ensino de Cristo, mas acredita estar indo além dele, não tem Deus; porquanto, quem permanece na sã doutrina tem o Pai e também o Filho.” (2 João 1:9)
O Discurso de Despedida
Entendendo o contexto textual de João 15
Grande parte das últimas palavras de uma pessoa que tem poucos dias de vida remetem ao arrependimento pelo que deixou fazer, se você pesquisar as últimas palavras de grandes pensadores e influenciadores da sociedade é isso que encontrará. Mas de modo algum essas foram as palavras de Jesus, Ele sempre teve a plena convicção de tudo que viveu e do que estava prestes a fazer sabendo que Ele apenas havia falado tudo o que o Pai falou e que também havia feito tudo o que viu o Pai fazer. Seu discurso de despedida foi então o mais inspirador de todos.
Jesus sabia que esta seria sua última ceia com os discípulos antes da crucificação, e “… sabendo que o Pai tinha depositado nas suas mãos todas as coisas, e que havia saído de Deus e estava voltando para Deus,” (João 13:3) Colocou água em uma bacia e começou a lavar os pés dos seus discípulos, Ele que já havia se esvaziado tornando-se homem também servo se fez e os ensinou que aquele que quiser ser o primeiro deve ser servo de todos.
Logo após este acontecimento Jesus perturbou-se em espírito sabendo que aquele que estava à mesa com Ele haveria de traí-lo. Então Ele entrega o pedaço de pão molhado a Judas e logo que Judas come o pedaço de pão ele sai. (João 13.18-30)
“Tendo ele, pois, saído, disse Jesus: Agora é glorificado o Filho do homem, e Deus é glorificado nele.” (João 13:31)
Neste momento Jesus começa a despedir-se dos seus discípulos, falar de sua partida (v. 33), diz a Pedro que ainda que ele desejasse segui-Lo até a morte ele o negaria três vezes antes do galo cantar. Mas então o Mestre começa a animá-los: “Não se turbe o vosso coração; credes em Deus, crede também em mim. Na casa de meu Pai há muitas moradas; se não fosse assim, eu vo-lo teria dito. Vou preparar-vos lugar. E quando eu for, e vos preparar lugar, virei outra vez, e vos levarei para mim mesmo, para que onde eu estiver estejais vós também.” (João 14:1-3)
“Se me amardes, guardareis os meus mandamentos. E eu rogarei ao Pai, e ele vos dará outro Ajudador, para que fique convosco para sempre.” (João 14:15,16)
E após encorajá-los Jesus os instruiu a permanecer Nele como Ele no pai permanece, João 15. Jesus não estava olhando para as falhas e fraquezas de seus discípulos, Ele sabia o que cada um iria fazer nos momentos seguintes, em que Ele haveria de ser preso. Ele os instruiu a como manter sua vida alicerçada Nele mesmo em sua ausência corpórea entre eles.
“Eu sou a videira; vós sois as varas. Quem permanece em mim e eu nele, esse dá muito fruto; porque sem mim nada podeis fazer.” (João 15.5)
A Videira, as varas e O Agricultor
“Eu sou a videira verdadeira, e meu Pai é o agricultor. Todo ramo que, estando em mim, não dá fruto, ele corta; e todo que dá fruto ele poda, para que dê mais fruto ainda. Vocês já estão limpos, pela palavra que lhes tenho falado. Permaneçam em mim, e eu permanecerei em vocês. Nenhum ramo pode dar fruto por si mesmo, se não permanecer na videira. Vocês também não podem dar fruto, se não permanecerem em mim. Eu sou a videira; vocês são os ramos. Se alguém permanecer em mim e eu nele, esse dá muito fruto; pois sem mim vocês não podem fazer coisa alguma.” (João 15:1-5)
As uvas eram cultura de subsistência na palestina, a videira foi muito importante cultural e economicamente nos tempos bíblicos. Devido a sua centralidade na vida quotidiana, muitas vezes foi usada simbolicamente nas Escrituras.
Em João 15 podemos observar esta alegoria da Videira, O Agricultor, e os ramos.
Quando olhamos para uma vinha, em época de colheita, é lindo observar o verde de cada folha nos ramos carregados de cachos de uvas. Mas é impossível encontrar essa mesma beleza e fruto em um ramo que não está na videira. Diferente de outros galhos de árvores que podem servir para produção, alicerces, até mesmo servem para fabricar mesas e cadeiras, os ramos de videira são tão finos, que não tem nenhuma outra utilidade fora da videira, a não ser serem lançados no fogo.
“Filho do homem, que mais é a árvore da videira do que qualquer outra árvore, ou do que o sarmento que está entre as árvores do bosque? Toma-se dela madeira para fazer alguma obra? Ou toma-se dela alguma estaca, para que se lhe pendure um vaso? Eis que é lançado no fogo, para ser consumido; ambas as suas extremidades consome o fogo, e o meio dela fica também queimado; serviria porventura para alguma obra? Ora, se estando inteiro, não servia para obra alguma, quanto menos sendo consumido pelo fogo, e, sendo queimado, se faria ainda obra dele?” (Ezequiel 15:1-5)
“Se alguém não permanecer em mim, será como o ramo que é jogado fora e seca. Tais ramos são apanhados, lançados ao fogo e queimados.” (João 15:6)
Pense um pouco sobre isso: Jesus é a Videira, nós os ramos. Biologicamente analisando este versículo devemos conseguir entender esta alegoria. Todos os nutrientes que trazem vida aos ramos não são produzidos pelo próprio ramo, pois o ramo fora da videira seca. O ramo não consegue se plantar na videira, a videira o gera e o faz crescer, e O Agricultor poda os ramos e os trata para que dêem mais fruto. Sem a videira o ramo nada pode fazer, ser ou sequer existir, pois é na Videira, em Jesus que vivemos, nos movemos e existimos, pois somos a sua geração, aqueles que Ele gerou. Estas foram as palavras de Jesus. Nós fomos gerados Nele, por Ele e para Ele e sem Cristo nada podemos fazer.
“Vocês não me escolheram, mas eu os escolhi para irem e darem fruto, fruto que permaneça, a fim de que o Pai lhes conceda o que pedirem em meu nome.” (João 15.16)
A gratidão cresce em meu coração, cada vez em que me lembro dos momentos em que meu coração se sentiu fraco e desamparado e o Pai como um excelente agricultor tratou deste pequeno ramo, o podou, o limpou para que não fosse sufocado. Todos passamos por momentos em que necessitamos deste tratamento e como é lindo quando nos lançamos no processo de sermos limpos pela sua Palavra, e sabemos que não iremos crescer desordenadamente pois temos um Agricultor que além de tudo é nosso Aba, Pai, que não está apenas preocupado com a quantidade da colheita mas com a qualidade de todo o processo de Permanecer na videira.
“E naquele dia, entendereis que Eu estou no meu Pai, e vós, em mim, e Eu, em vós.” (João 14:20)
O chamado para permanecer
“Se vocês permanecerem em mim, e as minhas palavras permanecerem em vocês, pedirão o que quiserem, e lhes será concedido.” (João 15:7)
A Videira, os ramos eram apenas uma linguagem de como Jesus quer se relacionar conosco. Sua vontade é que permaneçamos Nele, assim como Nele e por ele fomos gerados. Não consigo imaginar outra alegoria que se encaixe melhor neste contexto, quando permanecemos Nele, como o ramo na videira, e as suas palavras permanecem em nós como a seiva de uma planta que leva para os galhos e folhas os nutrientes (alimentos) que a raiz absorve da terra os frutos são gerados, mas tudo começa na Videira.
“Como o Pai me amou, assim eu os amei; permaneçam no meu amor.” (João 15:9)
No grego a palavra traduzida como permanecer é: “meno (με νω)”. Que também é muitas vezes traduzida como: continuar a estar presente, continuar a ser, não perecer, não partir. Como permanecemos em Jesus?
“Se vocês obedecerem aos meus mandamentos, permanecerão no meu amor, assim como tenho obedecido aos mandamentos de meu Pai e em seu amor permaneço.” (João 15:10)
“Mas qualquer que guarda a sua palavra, o amor de Deus está nele verdadeiramente aperfeiçoado; nisto conhecemos que estamos nele. Aquele que diz que está nele, também deve andar como ele andou.” (1 João 2:5,6)
“O meu mandamento é este: amem-se uns aos outros como eu os amei.” (João 15:12)
Podemos encontrar a resposta nestes versículos citados: Permanecer em Cristo é obedecer aos seus mandamentos. Quando penso sobre seus mandamentos a primeira mensagem que me vem a mente é o Sermão do Monte, o ensinamento mais claro e profundo do que é seguir os seus mandamentos, mas que se resume em uma palavra: Amor, Amar a Deus de todo o coração, força e mente e ao nosso próximo. “Quem não ama não conhece a Deus, porque Deus é amor.” (1 João 4:8) Todas as vezes em que Jesus está se referindo a “amor” nestes versículos acima, não está falando de filéo Ele está usando a palavra ágape, vejamos a diferença de amor traduzido de filéo e amor traduzido de ágape:
Amor filéo – é o amor fraterno, relacionado à família e aos amigos. A pessoa retribui o amor na medida de amor que recebe. Amam por causa de bons e grandes favores. É um amor condicional.
Amor ágape – é o amor de Deus, sacrificial e doador. É incondicional, não está dependente de uma resposta positiva. É possível ser expressado entre as pessoas também, desde que decidam amar incondicionalmente. Mesmo que as pessoas errem, continuaremos amando-as, pois o que nos desagrada são as suas atitudes, porém o nosso amor por elas deve permanecer inabalável.
Quando Jesus está dizendo como o Pai me amou eu vos amei. Ele está dizendo com o mesmo amor incondicional (ágape) que o Pai tem por mim eu os amei (ágape). Permaneçam no meu amor incondicional (ágape); versículo 9. E quando Jesus diz o meu mandamento é este amem-se uns aos outros como eu vos amei, Ele está dizendo da mesma forma incondicional que eu os amei (ágape) amem (ágape) uns aos outros, versículo 12. Minha busca por amor ao próximo mudou quando esta realidade de amor ágape veio ao meu coração, Jesus já havia dito para amar o nosso próximo como a nós mesmos, mas estas palavras de amar ágape as pessoas como Ele nos ama ágape, são muito mais intensas do que conseguimos imaginar. Você consegue amar ágape aquela pessoa que passa pela rua sem te cumprimentar? Consegue amar ágape aquela pessoa que fala mal de você pelas costas? Consegue amar ágape aquela pessoa que tem um temperamento tão oposto ao seu que só em respirar ela te irrita? E consegue amar ágape aquela pessoa que já fez muito mal a você ou a algum membro de sua família? Muitos não conseguem se importar com a dor das crianças que estão sendo vendidas para exploração sexual, quanto mais poderiam dizer que as amam ágape ao ponto de interceder por elas. Eu nem mesmo consigo imaginar se consigo me amar ágape, pobre e miserável ramo que sou!
Porém precisamos conhecer a Cristo verdadeiramente para que possamos começar a entender este amor ágape. É estando cada vez mais perto de Jesus o buscando, cultivando uma vida de oração e de busca pelo conhecimento de Deus que seremos transformados à imagem de quem Ele é. Me recordo de uma das aulas da nossa escola online (Fhop School) em que o professor Allen Hood contava uma história de sua busca fracassada por viver I Coríntios 13 e amar a sua esposa com aquelas descrições de amor, e quanto mais ele tentava pior ele ficava, até o momento em que Deus disse para ele: Allen, não existe amor fora de quem Eu sou, olhe para mim, entenda como eu amo e você será transformado, conseguirá amar à medida que me contempla. Sem Cristo nada podemos fazer, precisamos Dele para amá-lo (ágape) e precisamos Dele para vencer a apatia e amar (ágape) o nosso irmão como ele nos ama (ágape). Nós já estamos na Videira, porque Ele incondicionalmente nos amou, e precisamos contemplá-lo todos os dias para que possamos permanecer, ou seja, cumprir os seus mandamentos de amor ágape. Que todos os dias busquemos permanecer no seu amor, buscando conhecê-lo mais para sermos transformados à imagem de quem Ele É!
“E o seu mandamento é este: que creiamos no nome de seu Filho Jesus Cristo, e nos amemos uns aos outros, segundo o seu mandamento. E aquele que guarda os seus mandamentos nele está, e ele nele. E nisto conhecemos que ele está em nós, pelo Espírito que nos tem dado.” (1 João 3:23,24)
“Nós amamos porque ele nos amou primeiro. Se alguém afirmar: “Eu amo a Deus”, mas odiar seu irmão, é mentiroso, pois quem não ama seu irmão, a quem vê, não pode amar a Deus, a quem não vê. Ele nos deu este mandamento: Quem ama a Deus, ame também seu irmão.” (1 João 4:19-21)
Referências:
¹ – pt.m.wikipedia.org/wiki/Evangelho_segundo_João
² – Santo Ireneu
³ – Segundo Rudolf Bultmann (1884-1976)